Passo longe de ser algum tipo de acumuladora e chego a ser avessa a deslumbres e encantamentos materiais. Tá certo, confesso que gosto um bocado de botas e sonho com Paris. Coisa pouca, rsrs. No mais, ando bem minimalista. Vez em quando ainda bate umas vontades loucas de gastar o dinheiro que eu não tenho, mas passa. Uso somente o essencial, contudo escondo um pequeno pecado: meu guarda-roupa está lotado. Já tirei, doei, desfiz. Ainda está cheio. Deixa. Não compro mais nada. Acontece que o meu vizinho jogou um sofá fora. Jogou fora não: abandonou no corredor próximo à escada, de surdina. Uma pessoa que faz uma coisa dessas é capaz de atrocidades, penso. A falta de civilidade dos moradores é algo que me incomoda, mas o curioso foi que dessa vez não importei. Mesmo! Senti uma empolgação estranha e quis colocá-lo imediatamente na minha sala. O modelo era a cara de casa de vó: aconchegante e acolhedor. Senti uma espécie de colo ao sentar-me. Estava em péssimo estado e todos pensavam que eu havia enlouquecido por ter me apegado tanto a ele. E se alguém tivesse morrido ali? Aquela energia grudou em você. Só pode! – disseram. O coitado do sofá, após anos de uso e agora inútil, simplesmente foi abandonado. Nem sequer lhe procuraram um dono, alguém que pudesse lhe dar um abrigo. Simplesmente en-xo-ta-do. Eu o pegaria, mas não deixaram. Decretaram de pronto a minha insanidade. Estou de amores e dores por um sofá largado. Logo eu a rainha do desapego. É que tem coisas que valem a pena restaurar, valem a pena um olhar mais profundo. Olhei bem dentro dele, todos os seus detalhes. A madeira não era das mais nobres, haviam pedaços carcomidos, talvez alguns cupins, o pano poido e rasgado, a espuma desgastada, mas durou uns vinte anos! Poderia durar mais trinta! Eu o salvaria… não deixaram. Ficaria muito caro. Era vergonhoso. Fui demovida, mas não esqueci. Talvez a energia daquele sofá realmente tenha grudado em mim! Coisa boa porque ouvi saindo dali uma voz que dizia: senta aqui, vamos trocar um dedim de prosa, tomar um cafezim comigo, cê gosta de um chazim, um bolim de fubá? Eles me largaram, veja só. Ouviria atenta toooda a sua história. Ali muitas outras ainda poderiam ser vividas, mas logo pela manhã ele já não estava mais lá. Meu coração está partido de pensar que ele possa estar em algum lixão qualquer sendo consumido pelo tempo ao relento. Desculpe Sr. Sofá, sinto muito! Muito mesmo. Te desprezaram e na minha comodidade e impotência não pude fazer nada. Meu desalento é pensar que fazem isso com vidas… É uma pena.
Ótimo texto!
(Como disse que iria acompanhar seu trabalho, Me senti na obrigação de vir dizer que infelizmente meu tempo de blog foi curto e estou saindo para outra plataforma). Obrigado por compartilhar as palavras, e espero encontrar seus textos pelos caminhos.
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Oh que pena Bruno! Fico triste por perder um seguidor, mas feliz por você estar trilhando o caminho da escrita em outros moldes! Jamais desista! Você tem o dom dentro de ti. Obrigada pelo incentivo e consideração. Sucesso nessa nova caminhada! Eu continuo por aqui… rsrs Abraço e boa sorte!
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Simplesmente perfeito! Até eu me apaguei ao sofá, tamanho o carinho ao qual vc se refere a ele! Voe, menina, vc tem talento de sobra! O mundo precisa te conhecer!
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Com um carinho desses vale a pena voar! Obrigada prima linda pelo prestígio. Voemos!!!
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