DICOTOMIAS – ENTRE MAS NÃO DEMORE
o gozo ininterrupto
a saliva densa escorregadia, o dia nublado, o acaso
o escárnio, o debochado
o circo itinerante e seus malabaristas e acrobatas
ah! o Circo
o Circo e o palhaço
a pólvora, tosca, o cascalho
a gorjeta sem trocado
o vagabundo dando volta no planeta
o picareta
o moribundo
a indecência escrachada
o porco, a porca
tudo isso girando e voltando ao mesmo ponto, fixo
ininterrupto
vã consciência do implícito
sexo explícito
metamorfose da barata e suas antenas -radar
seu cheiro fétido
ratos e seus bueiros
ratos e seus esconderijos e planos traiçoeiros
há Salvação?
perguntarei até ouvir
há salvação?
Deus dirá que sim, há
o diabo rirá
não, não há
vértices, lados opostos, complementos e
tudo, Tudo voltando ao mesmo ponto
ao mesmo plano
faço a anti política
prego o anti amor
Deus morreu na Cruz por nós, seu filho, único?
EVITO A DOR, evito olhar
Eunuco manco
pródigo Cego, ingrato
plásticos entranhados no meu fundo, meu oco
Quem inventou?
Valeu-me a serventia
por décadas, por milênios
agora imprestável
carrego na bolsa o meu próprio canudo
Mentira
só não empresto por nada
Verdade
o diploma engavetado
escárnio
a carne vencida
findo o prazo para a defesa
soltura, liberdade, será?
despacharam na encruzilhada com galinha de-pe-na-da
alma penada
na escuridão da noite fria
um único zumbido
maldade
maldade
maldade
quem inventou o mal que me habita?
eeeeeei tem alguém aí?
grito rouca, insistente, estou dentro de caixas de papelão
meu alçapão
meu ganha-pão
passo Fome
o ecoar vai ao longe, vago, oco, pungente
ambiente estático, perplexo
nenhum vestígio de claridade
sou Indigente, índia, insistente, cocar pendurados, ramos e enfeites a espera de
vindas de profecias
para sanar vidas doidas, doídas
poídas no deserto do eco, ao léu
jogue suas tranças Ra-pun-zel!
meu castelo e jaulas
encantamento e espanto
júbilos e cânticos
pranto delicado, manto remendado
vidas tecidas com agulha em brim
vestígios de carmim,
bordados e barrados,
mini crochê de flores
o jardim parece se destacar
derramar sob o chão vermelho da varanda fragmentos das copas das árvores junto ao vento ligeiro, rasteiro, vento-cobra, traiçoeiro
a cadeira de balanço de ferro azul
descascada, rija,
Bruta
profere um som rangido, quase Sagrado
Deus está aqui
Deus está aqui
o cão morreu
o cão morreu sem um latido sequer
sem um gemido qualquer
de mãos dadas com seu Senhor
carrego o Medo e rumo
Ao Sul
Norte descampado, bússolas sem ponteiros
Letreiros embaralhados
Diz assim: si-ga
Culpa
Pecado
eis que me aprisionam, raízes ancestrais carregam a face da cobra
meu corpo Nu vive no
Paraíso
cheguei
não vi ninguém
preciso remover a pedra
quem enterrou? A pedra?
Cabras cegas, não machucavam ninguém
Por que te sacrificaram?
Cordeiro de Deus que tira os pecados do Mundo
Tende piedade de Nós
Eeeeei
tem alguém aí?
minha alma vive no escuro
apagaram as luzes da alcova
sinto cheiro de alcachofra com sua casca robusta
esnobe
metida
afrontosa
procuro rostos nas frestas, nas fendas, nos rasgos e no vincos
desentranho nós com dentes afiados
a língua em círculos abocanha a fruta
Descansa, repousa, desCansa
aviva a Criança emaranhada em minhas entranhas
sem parir o dia que estar por vir
deixa brotar como a flor
deixa sangrar como a dor
germinar o medo em gozo
florescer a Fé nas sombras
Samambaias com seus pólens secos
onde estão as abelhas do amanhã?
Medo
Culpa
Pecado
tudo
tudo emaranhado
Então dirão que não poderei fazer força
pra parir
pra lutar
pra amar
estou reconhecendo este lugar sonoro
claro
límpido
perfumado
saí dos meus escombros em sonho
ainda habito o abismo descortinado
voal do amanhã
voo ao fundo do poço para regar água da fonte
quer vir comigo?
eu te apresento meu leito
meus aposentos mais estreitos
repousa comigo no auge desta noite fria
enche meu amago de serpentinas
confetes coloridos
sopra o seu veneno dentro das minhas vestes carcomidas
e eu te apresento meu submundo
abro-te a pétala da rosa debruçada
te engano com meu néctar, meu doce perfume
o gozo da satisfação
extraio da romã o líquido viscoso
cor da morte
crepúsculo perdido no horizonte
Fica
fixa em linha retilínea as minhas curvas
deixa o Norte e ruma ao Sul
céu azul, cor de colo
é pra lá que carrego a minha mala preta gigante
e colho morangos
com um cajado na mão
sigo patas de elefantes
esquece isso
agora
agora
agoniza em minhas entranhas
finca estas unhas grandes no dorso da minha contra pele
Iãnsa Senhora dos ventos
leva este predador para os montes
longe
cubra-me com vestes Sagradas
esconda-me
eu vi a noite dentro do binóculo de Deus
Ele me emprestou
ela era escura
coturnos apertados
Iansã me proteja como filha
perdi meu pai
meu paizinho deixou só um bilhete de ida
na lapide do tumulo a transcrição
resumo da vida aqui jaz nalgumas letras
Fim
É?
Estou em cólera
febril
ardente
delirante
Agonizo
distancio do abismo que me separa dos dois mundos
vértice, volta, vida, gira e retorna ao mesmo tempo
ao mesmo ponto
de interrogação
e é tudo dúvida
é tudo Vida
é tudo dívida
é?
“Nada será revelado antes do tempo da vinda. Na morte se conhecerá quem não morreu. Não se morre, nem se vive. Aqui é o templo do não saber e a ânsia pelo conhecimento é simples teoria. Volta-te antes que se perca nos túmulos. Todo o resto é simples teoria.”
quem disse? pergunto
e me respondo
prove
prove da videira
prove o gosto da framboesa
sorva o mel das abelhas enquanto se afasta da colmeia
afasta-te dos esporos para não se consumir febre do feno
chama o urso polar pra ver o pôr do sol
ele virá nessa manhã febril
e o sol não se porá no horizonte ainda
descortina minha cordilheira com pastos verdes
cubra meus ouvidos
cerra meu corpo em x, proteção
de que? Praga, peste, olho gordo,
quimonos brancos, faixa preta, camisa de força, camisa de vênus, camisa pra passar amarrotada dentro do armário
camisa sem cabide
demarquei-me
sou castelo de vidro
ponte sob o rio que atravessa
sou travessia, longínqua
tum tum porque faz esse barulho dentro de mim?
deve ser fome
mas comi agorinha
então toma um copo de leite
ontem sonhei com a morte e ela tinha uma cara engraçada
lá vem você com essa conversa fiada
refaço-me e amanheço em noites de escuridão
lá fora escuto uma canção, bálsamo a me embalar neste berço gigante devorado pelo homem nu
depredado
degradado
desgraçado
imundo
enfia sua mão suja dentro de minhas vestes, grito de salto
falou comigo?
não, só pensei em voz alta
tá faltando pão nessa casa
Pai nosso que estais no céu o pão nosso de cada dia
Cresça e transborde o fermento de Cristo
Ganhei da vizinha, fiz pão e reparti- Deus mandou, obedeci sim
água viva que em mim penetra e escorre por meus bueiros tampados, cerrados, deixei as lamparinas acesas no meio do caminho, restaram cinzas. sol que em mim esconde como o vejo dentro destes vértices desconhecidos. zumbido, crocodilo, rato escondido. água viva jorra de meus olhos, inunda azul oceano o tapete vermelho da sala, cor de sangue, morango triturado, eiva da vinha, clandestina. aviva em mim o entusiasmo pela vida quando ao dobrar a esquina descobri um pouco mais do mundo. água viva que corre nos rios, doce, no mar, salgada na fonte primária, acorda em mim a madrugada límpida da lua, nua, vertiginosa em estado de glória. água limpa lava meu rosto cansado da ceia de domingo. amém.
a roupa está acumulando
a comida acabando na despensa
rolei na lama com os porcos, os pífios e os ímpios
encharquei minhas vestes de restos
estou suja
imunda
preciso me lavar
retirar o fisgo e morrer afogada porque não sei nadar na correnteza
retirar a ânsia que me embrulha o estômago
tião acho que o leite me deu um nó
comi com manga, vou morrer
enfia o dedo na goela que passa
cadê minha carteira?
já vai sair?
1, 2, 3 , 1, 2, 3
Tudo, tudo outra vez
vi minha mãe chorar de alegria, vi minha mãe sorrir de tristeza
contei um segredo pra ela
eu serei diferente
eu serei contente
já vai?
estou vivendo pisando os figos pelo chão, despojados das videiras traiçoeiras, amaldiçoadas sejam suas raízes, penetrantes caules, flores e frutos. figueira traiçoeira seus figos esmago com a força de meu âmago enquanto o sol do outro lado se esconde.
Corta-me
Salva-me
Onde está a exclamação?
Ufa! Cheguei a perder o fôlego à procura da exclamação!!!
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Foi culpa do teclado juro! Eu queria colocar exclamação e não achava de jeito nenhum… Juro. Feliz que tirei o fôlego de um grande escritor! 🙂
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👏👏👏🤣🤣🤣🤣😍
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verdadeira catarse, sensibilidade e muita densidade (de conteúdo), e confesso que ainda estou pensando e muito no texto. (o post de hoje no Chronos passa muito por este teu). Fui….mergulhar nos textos através dos tempos. abraço imenso e todo o meu afeto e muito obrigado.
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Taí a dúvida se sairá um livro disso, mas de qualquer forma achei que aqui já tenho escritores e leitores suficientemente sensíveis para esta proposta. Obrigada eu pelo apoio, espaço e tempo que te tomo. Bom mergulho! 🙂
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Se o ensaio de 2019 foi este texto, bom, agora em 2020 é entrar para valer na gráfica. Mais que desejo é uma realidade, Renata, e daqui do sul, sem deixar o velho e bom café, espero o “meu” exemplar com dedicatória (pretensão a minha, hein!!!). O silêncio e a água dos moinhos alimentarão cada página e então o sentido será vivido além montanhas. Querida Renata realize teus sonhos, não porque não envelhecem mas porque não podem mais esperar para conhecer o lado de fora do dia. Seja imensamente feliz. Sempre. O meu afeto e abraço flutuam na leveza de um novo amanhecer e espero possa te alcançar. Maravilhoso 2020!
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Obrigada pelas lindas palavras, pelos votos sinceros e se este sonho ultrapassar o lado de fora espero ter a honra de sua leitura com a minha dedicatória afetuosa pelo incentivo e encorajamento. Se não sair este ano, talvez um dia, como um sonho, já valeu a pena o ensaio! Que você tenha um novo ciclo cheio de cafés, livros, viagem de trem, paisagens, fotografias, poesias e muita vida bem vivida, neste ano novo de 2020 e sempre!!!
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Ufa! De tirar o fôlego. si-ga… si-ga. Que 2020 tenha muito mais. Abraços
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Obrigada Bia! Um forte abraço. 🙂
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Seu mês de dezembro foi bem produtivo. esse texto mesmo me fez viajar nos tempos. vou por exclamação aqui no “abraço Renata!!!”
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É que me dei umas férias forçadas e aproveitei para me dedicar um pouquinho ao que amo fazer com meu tempo… obrigada Ed pelas exclamações e leitura. É muito importante pra gente esse feedback neh? Abraços!!!!
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